Uma carioca me disse um dia desses: "Você não é de Minas, né?" Diante da minha negativa, ela respondeu: "Ah, logo vi. Morei em São Paulo durante anos. Meus melhores amigos são de lá. Mas também mantive meu sotaque". Nem precisava dizer: os "erres" arranhados e os "esses" chiados não a deixavam mentir.
Não faço esforço para manter meu sotaque paulista, mas, depois de 15 anos em Minas, tampouco consigo ar por mineira. Mas do que a prosódia, me encantam as expressões ditas por aqui. Essas sim faço questão de adquirir. E, assim, junto a um legítimo sotaque paulistano, italianado, solto um "uai", "sô", "nó", "minino", "trem", "demais da conta", além dos irresistíveis diminutivos: "negucim", "mineirim", "coisim", "trenzin", "pãozim" e por aí vai...
Até algumas expressões que jurava que nunca diria porque não me soavam bem, me pego falando: "vô cocê", "saudade docê", "vamo encontrá?"...
Nunca mais disse "meu"...
Um amigo curitibano que mora em Maceió há muitos anos conserva seu sotaque, mas, vira e mexe, solta um "oxi" ou um alongado "raaaapaiz". Uma delícia.
Lu, outra amiga de Curitiba, é ainda mais aberta e, com apenas um ano de Belo Horizonte, já arrasta os "erres" dos mineiros da capital. Fica uma graça a musicalidade do seu sotaque misturada a esse novo jeito de falar. Ainda assim, é a única que me pergunta: "quer uma bolacha"?, quando me oferece um biscoito. E eu sou a única para quem ela faz a pergunta e que não ri.
Andrei é baiano, de Teixeira de Freitas. Não sei quanto tempo mora na capital mineira, mas ainda conserva aquela fala mansa. Sou capaz de me perder com seu sotaque.
Porque é preciso amar o jeito do outro falar para abrir ouvidos e coração. Sem isso, nada é possível.
Há gente que é capaz de morar 50 anos em um lugar e não pegar nada. Meu amigo Balla é um deles. Viveu uns dez anos por aqui e parecia ter chegado no dia anterior. E ainda me recriminava quando me ouvia falando alguma expressão mineira: "Qué isso?".
Outros, ao contrário, quase renegam a origem. Meu primo Sandro parece um legítimo português depois de dez anos em Portugal. Tânia, colega de trabalho, nem parece baiana. Os 37 anos de Belo Horizonte foram suficientes para tirar qualquer vestígio de seu baianês. Mas ela, arretada, jura que não fez nenhum esforço para isso.
Será que se morar aqui para o resto da vida foi eliminar meu sotaque paulista por completo? Nem acho que é uma questão de se esforçar ou não para isso. O negócio é de outra ordem, talvez tenha a ver com a afetividade... Sei lá.
Só sei que meus amigos paulistas ficam de olho e, na primeira oportunidade, disparam: "Olha lá, a mineirinha", ao me ouvir falar um "arreda aí".
Meus amigos mineiros ficam de olho e, na primeira oportunidade, comentam: "ih, ó lá a mineirinha", ao me ouvir falar um "bom demaiss".
Até gosto quando ouço a frase, dita ela por quem for. Isso é, para mim, um bom sinal. Sinal de que estou aqui aberta, sem nenhuma couraça. Pronta para sugar o que tiver que sugar e transformar isso em um jeito único de falar. Uma mistura de expressões e ritmos e musicalidade. Fruto de tudo o que já vivi, das pessoas que encontrei e que, de alguma forma, ficaram em mim. Mostra que não fiquei parada, que estou viva, em movimento. E é assim que tem que ser. Né, não?